Se o conhecimento pode criar problemas, não é através da ignorância que podemos solucioná-los.
Issac Asimov, Russo (1920-1992) – Escritor, Autor de Eu, robô1
Não há a menor dúvida que a comunicação no globo terrestre teve um avanço fantástico nos últimos anos. O que era impensável poucas décadas atrás, ou fazia parte das descrições de mentes privilegiadas antevendo o futuro, hoje tornou-se realidade, e sempre com a perspectiva de mais desenvolvimento, novas técnicas, novos equipamentos, novos e novas ... tudo!
Como professor universitário de medicina e pesquisador clínico de uma série de novas substâncias medicamentosas, antes de serem comercializadas, tive a oportunidade de realizar muitas viagens, nacionais e internacionais, para participar de reuniões, congressos e eventos científicos, com a finalidade de apresentar resultados das pesquisas com esses medicamentos e para aprender com a experiência e o conhecimento de tantos outros profissionais, principalmente. Naquela época, precisávamos fazer diapositivos (slides) para projetar nas apresentações. Para isso, recorria-se a fotógrafos experientes, dias antes da viagem, que os produziam. Ao chegar nos hotéis que nos hospedavam, todos pedíamos à telefonista para fazer uma ligação para nossas residências, para contar que havíamos chegado e que estávamos bem. E, por óbvio, informar o telefone do hotel onde estávamos. Tudo através de telefonia fixa, antes da existência do celular. E quando apareceu o celular, era muito caro usá-lo para os contatos, principalmente no exterior.
É desnecessário explicar, pois todos sabemos as mudanças que aconteceram. Houve uma democratização da informação, sem dúvida. Antigamente, algumas pessoas investiam na compra de telefones fixos, para alugá-los e, desse modo ter uma renda extra. Eu lembro bem, que comprei, para pagar em várias prestações, quando recém-formado, um telefone fixo residencial e um comercial, para usar, no futuro, na residência que eu ainda não tinha e no consultório que pretendia montar.
No entanto, com as inovações e melhorias também vêm os aspectos negativos. Um desses grandes problemas da atualidade é o uso inadequado das redes sociais, por extremismos religiosos e/ou ideológicos, mentiras a respeito de tantas coisas, com repercussões extremamente danosas às instituições e às pessoas.
Max Fisher é um jornalista do New York Times, que escreveu um livro deveras interessante, lançado nos Estados Unidos em 2022 e aqui, em 2023, traduzido com o título A Máquina do Caos2.
Um livro que aborda exatamente as redes sociais e como elas reprogramaram a nossa mente e o nosso mundo, usando a afirmação do próprio autor. Ele entrevistou centenas de pessoas que estudaram o tema, bem como os que combateram, exploraram ou que foram afetados pelas redes sociais. Vários nomes são citados, inclusive de líderes políticos, diretores de empresas etc. Mas também observou estudos acadêmicos, atas judiciais e várias outras fontes primárias de informação. Trata-se, portanto, de um trabalho de muita seriedade e responsabilidade, considerando a influência das redes sociais nas vidas de todos nós.
Fisher revela que no começo pensava, como muita gente, que os perigos das redes sociais tinham origem principalmente de uso impróprio de pessoas mal-intencionadas. Porém, em todos os lugares que visitou, cobrindo déspotas, guerras e revoltas em locais distantes, ele notou ocorrências estranhas e excessivas que estavam conectadas com essas redes. E ele observou que se tratava de um padrão mundial, mas ninguém entendia por que aquilo acontecia.
Mas outros também começaram a ficar preocupados com essa questão, embora com frequência o assunto fosse negligenciado pelos chefes das redes sociais. A própria ONU – Organização das Nações Unidas já havia feito uma acusação formal ao Facebook (META) por permitir que a sua tecnologia contribuísse para provocar, em Mianmar, um dos maiores genocídios desde a Segunda Guerra Mundial.
As pessoas que começaram a se preocupar com as consequências observadas pelo uso das comunidades virtuais relataram essa preocupação aos seus superiores inúmeras vezes. Mas as respostas não vinham. Essa informação Fisher já identificara no ano de 2018, quando buscava munição para escrever o livro.
Fisher foi convidado para visitar o Facebook no Vale do Silício, onde conversou com mais de dez gestores de políticas da empresa. Mas as respostas às dúvidas do jornalista eram muito incompletas, segundo ele. E Fisher fez um alerta sobre um problema importante na época, de uma informação mentirosa, surgida no Facebook e depois também no WhatsApp, em vários países, de que certos estrangeiros estavam raptando crianças para transformá-las em escravas sexuais e extrair seus órgãos. A repercussão foi tamanha que numa região rural da Indonésia pessoas se reuniram em grupos e começaram a atacar indivíduos inocentes que passavam pelo local. Parecia, segundo o autor, que se tratava de algo parecido com um vírus que transformava as pessoas em “manadas sedentas de sangue”. E tinha relação direta com a própria plataforma, o Facebook.
Outros exemplos são citados no livro, contudo, os dirigentes do Facebook, hoje META, sempre acreditaram que o produto existia apenas para fazer o bem, por ser democrático, acessível a todos, com poucas restrições.
Mas chegou um momento que os próprios diretores se preocuparam com o que estava acontecendo. E a seguinte frase foi captada pelo Wall Street Journal, de pesquisadores durante uma reunião: “Nossos algoritmos exploram a atração do cérebro humano pela discórdia”.
E aqui está um fato que ficou evidente: os sistemas do Facebook eram projetados de tal forma que levavam aos usuários “cada vez mais conteúdo de discórdia, de forma a conquistar a atenção e aumentar o tempo do usuário na plataforma”.
Vale a pena aqui explicar melhor o que é algoritmo, pois aqui está a base de tudo o que acontece nas redes sociais. É denominação usada na matemática e em ciências da computação. Significa “uma sequência finita de ações executáveis que visam obter uma solução para um determinado tipo de problema”. Na verdade, são os passos necessários para realizar uma determinada tarefa. Por exemplo, para fazer uma receita de comida.
No entanto, vale aqui entender o que afirmou Stuart Russel, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, que se dedica há décadas ao estudo da Inteligência Artificial3. Ele tem advertido que o modelo predominante de IA é uma ameaça à sobrevivência dos seres humanos. O problema está em como os desenvolvedores têm realizado essas programações. Diz ele que elas são incumbidas de otimizar ao máximo possível suas tarefas, basicamente a qualquer custo. Desse modo, “elas se tornam cegas e indiferentes aos problemas (ou, em última instância, à destruição) que podem causar aos humanos”.
Russel nos diz que as máquinas são construídas com o que ele chama de modelos padrão. E continua “...elas recebem objetivos que têm que conquistar ou otimizar, para os quais têm de encontrar a melhor solução possível”. E fazem isso, continuamente.
O autor refere, em todo o livro, inúmeras situações que ocorreram em vários países, de profissionais e cientistas defendendo algo comprovadamente bom, como a vacinação da população, por exemplo, e que resultaram em agressões verbais e até físicas.
Fiquei assustado quando, recentemente, uma jornalista brasileira entrevistando Anthony Fauci, um renomado médico imunologista dos Estados Unidos, professor universitário, que já foi conselheiro médico de um presidente dos Estados Unidos, informou que tem dois seguranças que o acompanham o tempo todo, porque alguns extremistas contra vacina o ameaçaram de morte. Inclusive, dois deles foram presos, ambos armados com fuzil para matar o médico.
Fake News, informações falsas, com o intuito de desacreditar as pessoas chamam outras manifestações do mesmo gênero e parece resultar numa bola de neve, que vai sempre piorando e propiciando as manifestações extremistas, perigosas. É fácil observar isso, que acontece no nosso dia a dia. Se mostramos interesse na compra de algum produto, chovem informações sobre eles e onde comprar. Ah, os algoritmos, muito cuidado com eles!
Fisher refere que questionou aos diretores do Facebook quais as consequências de fazer com que mais e mais pessoas ligadas à política, à informação e às relações humanas se liguem às plataformas da internet, que são projetadas para manipular a atenção de quem ali chega, mas ele considerou que essa resposta era proibida.
No livro, o autor refere que, embora as gigantes das redes sociais prometessem resolver os problemas, estes apenas se agravaram. As informações, comentários, participações dos usuários aconteciam “sem freios e podiam arruinar o processo eleitoral”. A referência da política aqui é sobre a última eleição presidencial norte-americana, e essas ocorrências estavam “levando as pessoas a auto reforçar câmaras de eco de extremismo”. Essas observações foram feitas por uma auditoria independente contratada pelo próprio Facebook.
Essa observação que aqui faço, sobre esse livro marcante, muito atual e cuja informação é necessária a todos que de algum modo usam a internet, tem por base apenas o Prólogo do livro, com o subtítulo Consequências. Portanto, de apenas onze páginas, da 11 a 22. O livro todo tem 510 páginas. Mas considero que já é suficiente para entender do que trata essa preciosa publicação, cuja leitura recomendo fortemente.
Escreve Fisher que: “Descobriu-se que o senso comum inicial, de que as mídias sociais promovem o sensacionalismo e a indignação, embora fosse correto, subestimava demais a situação”. Muitas provas foram coletadas por vários acadêmicos, jornalistas, informantes e cidadãos preocupados, que concluíram que o impacto é muito mais profundo. Ele não culpa pessoas e nem empresas que financiaram a “alta tecnologia que as fez nascer, fornecendo investimento multimilionário a desajustados de vinte e poucos anos e a seguir exigindo retorno instantâneo, exponencial, com mínima preocupação com os estímulos distorcidos por essa lógica”. E com certeza ditas empresas acumularam fortunas na exploração dessas tendências e fraquezas.
Leia o livro, você vai gostar de entender melhor o que está acontecendo.
Referências:
1. Buchsbaum P. Frases Geniais. ISBN 85-00-01533-0. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004, pág. 77, 439 p.
2. Fisher M. A Máquina do Caos. Tradução Érico Assis. São Paulo: todavia. 3ª reimpressão, 2023, 511 p.
3. Idoeta PA. Da BBC News Brasil em São Paulo. Porque algoritmos das redes sociais estão cada vez mais perigosos, na visão de pioneiro da Inteligência Artificial. 10 de outubro de 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-58810981.amp. Acessado em 03/05/2024.
Rosires Andrade
Em 04/05/2024.
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