A grandeza não consiste em receber honras, mas em merecê-las.
Aristóteles – Grego (384-322 a. C.) – Filósofo, autor de Ética a Nicômaco1.
Afirmou Jean de La Fontaine, poeta e fabulista francês, que nasceu em 08/07/1621 e faleceu em 13/04/1695, sobre Esopo2:
Acho que deveríamos colocar Esopo entre os grandes sábios de que a Grécia se orgulha, ele que ensinava a verdadeira sabedoria, e que a ensinava com muito mais arte que os que usam regras e definições.
Essa afirmação foi de um fabulista que escreveu 240 fábulas em verso, contidas em 12 livros; portanto, precisa ser seriamente levada em consideração3.
Esopo, para muitos é considerado como Homero, o grande poeta épico grego, que escreveu Odisseia e Ilíada, e que adquiriu um caráter mítico. Discute-se se eles realmente existiram; de Esopo, nada se sabe de concreto, assim escreveu o editor Rafael D. de Souza na apresentação do livro recentemente publicado4.
Os gregos consideram Esopo o fundador do gênero fábula. Mas Souza insiste que hoje sabemos que existiram poetas gregos mais antigos, como Arquíloco, Hesíodo e outros da Assíria, da Babilônia e do Egito. Esses tiveram suas produções muito antes de Esopo, que teria vivido no século VI a.C.
Esopo não escreveu nenhuma fábula. Ele usava uma linguagem simples e sem ornamentos. Vários personagens anônimos compilaram, ao longo dos séculos, versões diferentes das mesmas histórias, que eram do conhecimento popular e circulavam oralmente na “zona cultural de língua grega”, escreveu Souza. E isso aconteceu inclusive séculos após o nascimento de Jesus Cristo, e em algumas fábulas têm elementos cristãos envolvidos.
Souza lembra muito bem que o conteúdo era destinado ao público adulto, nem as fábulas e nem a biografia de Esopo foram literatura infantil. Mas muitos de nós aprendemos sobre Esopo quando crianças, em adaptações infantis.
O livro que recebi neste mês de maio, da minha assinatura do Clube de Literatura Clássica, é uma edição de 2024. Nele, são apresentadas 358 fábulas, em 336 páginas.
Por outro lado, temos que lembrar, isso para quem lê as fábulas, que elas são bastante arcaicas, portanto, de acordo com a moral grega pagã e não cristã.
Um livreto, intitulado Vida de Esopo, com 87 páginas, acompanha o exemplar do Clube de Literatura Clássica5. Souza, o mesmo editor do livro anteriormente citado sobre Esopo, lembra que é necessário que se tenha em mente que essa leitura não deve ser entendida como uma biografia, como se considera hodiernamente. Tudo sobre o fabulista “resume-se praticamente às anedotas”. Em outras palavras, não é uma fonte fidedigna de informação histórica, mas sim o que se foi conseguindo a partir de vários personagens que sobre ele se manifestaram.
Existem histórias muito engraçadas sobre esse personagem, muitas participações espirituosas são relatadas e que lhe resultaram até em castigos físicos, considerando que era um escravo. Além disso, a sua configuração física não era nada apresentável, citam os autores. Ele era disforme e tinha graves problemas na fala. Até que, como prêmio por ter sido caridoso com um sacerdote de Ísis, foi abençoado com a eloquência. Desse modo, como era muito esperto e com um tirocínio exemplar nas suas manifestações, conseguiu sobreviver e conquistar a liberdade.
Em tempo, lembro que Ísis era uma importante deusa egípcia, considerada a mãe de todos os faraós, era protetora e se doava para o bem das pessoas, na crença mitológica.
O livreto é apresentado em línguas grega e portuguesa (tradução). Infelizmente, de grego nada sei, por isso apenas li em português. E segue enumerando as ocorrências, a partir do número 1 até o 142. Descrevo a primeira informação:
O por toda vida beneficentíssimo Esopo, o fabulista, por sina foi escravo e, pela raça, frígio, de Amório, na Frígia, malparecido até o exagero, de cabeça protrusa, pescoço feito poste, nariz chato, bigodudo, pançudo, bracicurto, vesgo, corcunda, um erro quotidiano. Além disso, era também de fala lenta e voz abafada, vil e terrível em astúcia.
Pela descrição inicial, de bom parece que só tinha a astúcia. E por isso ficou famoso. Em toda a exposição, surgem múltiplas possibilidades de uso de muita astúcia, somada a uma inteligência invejável e a um jogo de cintura incrível, para evitar o castigo, que era norma para os escravos que fizessem qualquer coisa que os “donos” não gostassem ou se sentissem por eles ofendidos.
Mas ele tinha um sério problema, de dificuldade para falar. No item 4, Esopo, “estando no campo escavando”, ajuda os sacerdotes de Ísis a acharem o caminho que os levaria para a cidade. E deu-lhes comida e água para comer e beber antes de se afastarem. À noite, como prêmio por essa atitude, Fortuna, no sono sobrevindo, concedeu-lhe uma palavra excelente, a rapidez da língua e o achado da facúndia através de multifárias fábulas, por piedoso ser e hospitaleiro.
Fortuna, na mitologia, era a deusa grega da fortuna e do destino. Facúndia é a aptidão para discursar, eloquência, fecundidade. Multifárias significa que pode ser de várias espécies ou se apresenta sob diversos aspectos.
Desse modo, agora Esopo tinha a inteligência excepcional, era muito astuto e de raciocínio rápido .... e passou a ter, também, o dom da palavra.
O dono de Esopo, Xanto, que o havia comprado de um mercador, e posteriormente lhe deu a liberdade, era um indivíduo importante, considerado primeiro cidadão e filósofo. E em várias situações, ele pede a participação de Esopo para resolver questões e propor soluções, o que o fabulista sempre fazia com muita facilidade.
No item 120, é apresentado um desafio feito por vários sábios de Heliópolis. Assim eles falaram:
Há um templo e uma coluna no templo tendo doze cidades, e cada cidade é coberta por trinta vigas. E em torno dessas correm duas mulheres.
Esopo respondeu:
Esse problema até as crianças entre nós resolvem. O templo é o mundo, por conter tudo, a coluna no templo é o ano, as doze cidades nela são os doze meses, as trinta vigas os trinta dias do mês e as duas mulheres que correm em torno são o dia e a noite, uma indo atrás da outra, direcionando a vida quotidiana dos providos de fala.
Uma das fábulas mais conhecidas de Esopo é A Raposa e as Uvas. A seguir mostro como está descrita no livro traduzido por Brandão e Souza, página 49.
Uma raposa faminta, quando viu uvas pendendo duma parreira, desejou apanhá-las, mas não conseguiu. Afastando-se, disse a si mesma: “São agraços”.
Assim também alguns homens, não conseguindo alcançar as coisas por fraqueza, culpam os tempos.
No final do livreto, é relatada a morte de Esopo. Um amigo falou:
Os délfios retornaram, tendo votado que fosses lançado de um precipício como blasfemo, charlatão e ladrão sacrílego, a fim de que não haja para ti sepultura.
O fabulista tentou por todos os meios convencer os algozes a não o matarem. Mas foi em vão, eles empurraram Esopo lançando-o ao precipício.
Por praga e severa angústia tomados os délfios, receberam um oráculo para que aplacassem o fado de Esopo. Com efeito, eram feridos pela consciência de o terem dolorosamente matado. Tendo então construído um templo, erigiram-lhe uma estela. Depois disso, ouvindo os líderes da Grécia e os restantes mestres o que fora cometido Esopo, vieram a Delfos e, tendo feito um inquérito, vingaram seu fado.
E assim termina o livreto, à página 87. Lembro que estela significa uma estrutura monolítica onde eram efetuadas esculturas em relevo ou textos.
Por sua vez, Delfos é uma moderna cidade grega que ficou bastante conhecida por seu sítio arqueológico, declarado Patrimônio Mundial pela UNESCO. O Oráculo de Delfos ficava num templo dedicado ao deus Apolo.
Realmente muita razão há para os gregos se orgulharem de Esopo que, embora escravo, usou de sua inteligência e astúcia para nos deixar ensinamentos de grande valia. A leitura do que se considera que falou é muito prazerosa e cheia de ensinamentos.
Parabéns ao Clube de Literatura Clássica por mais essa iniciativa cultural.
Referências;
1. Bushbaum P. Frases geniais. Mérito – página 96. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004, 439 p.
2. Esopo. Fábulas de Esopo. Tradução de Antônio Carlos Vianna. Porto Alegre: L&PM, 2010, 176 p.
3. Jean de La Fontaine. Wikipédia. Disponível em https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Jean_de_La_Fontaine. Acessado em 27/05/2024.
4. Fábulas Esopo. Tradução de Bernardo Brandão e Rafael D. de Souza: edição de Rafael D. de Souza. Dois Irmãos, RS: Clube de Literatura Clássica, 2024, 336 p.
5. Vida de Esopo. Tradução e edição do texto grego: Mateus Alves Rodrigues. Edição: Rafael D. de Souza. Dois Irmãos, RS: Clube de Literatura Clássica, 2024, 87 p.
Rosires Andrade
Em 27/05/2024.
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